Mariana Fix
Arquiteta e urbanista. Doutoranda no Instituto de Economia da Unicamp. Mestre em sociologia no Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP. Professora do curso de Design das Faculdades Campinas (Facamp) e integrante do Laboratório de Habitação e Urbanismo da FAUUSP. Rua do Lago, 876. Cep: 05508- 900 - Cidade Universitária - São Paulo - Brasil. mfix@uol.com.br
RESUMO
Este artigo analisa conflitos e articulações por trás da transformação de uma antiga área alagadiça, as várzeas do rio Pinheiros, em uma das regiões mais valorizadas de São Paulo e, atualmente, sua fachada globalizada. O texto discute, particularmente, os nexos que se constituem, nas últimas décadas, entre a financeirização global da economia e os arranjos específicos que se configuram em São Paulo; entre mecanismos supostamente avançados - como operações urbanas, Cepacs e fundos de investimento imobiliário - e formas típicas de acumulação primitiva, nas quais força, fraude, opressão e pilhagem são exibidas de modo recorrente; entre "a cidade própria" das elites e a cidade dita clandestina, que ocupa beiras de córrego, encostas de morros, margens de represas. Tomo como referência três ícones dessa paisagem urbana: uma ponte estaiada, imagem-síntese da cenografia da "nova cidade"; um gigantesco emprendimento murado, que mescla residência, comércio de luxo e escritórios; e um complexo empresarial com torres de escritório e hotel, interligados por um shopping subterrâneo.
Palavras-chave: globalização, financeirização, imóveis, São Paulo, cidade global.
UM "CARTÃO POSTAL" EM DOIS TEMPOS
Em 10 de maio de 2008, foi inaugurada a ponte estaiada sobre o rio Pinheiros, com desfile de carros antigos, palanque de políticos de diversos partidos e protestos de ciclistas e moradores de favelas da região. Anunciada como novo cartão-postal de São Paulo, virou capa de muitas revistas e motivo para cartazes e anúncios publicitários de todo tipo. A maior obra de infraestrutura realizada na cidade nos últimos anos tem capacidade para 8 mil carros por hora; em sua construção, consumiu 492 toneladas de cabos de aço, 58.700 metros cúbicos de concreto e 7 mil toneladas de aço.2 A solução dos tabuleiros suspensos por cabos - mais complexa do que uma transposição convencional do rio e ainda pouco experimentada no Brasil - produziu a espetaculosidade almejada pela prefeitura, que pretendia fazer da obra um "chamariz" para o mercado imobiliário, mais do que uma solução para o problema viário. O desenho foi inspirado em modelos estrangeiros, como as conhecidas pontes do engenheiro Santiago Calatrava, embora sem a mesma elaboração formal. Os estais amarelos, suspensos no mastro em "x" (conhecido popularmente como "estilingão"), de 138 metros de altura, produzem efeito de névoa durante o dia, e são iluminados à noite com cores diferentes, conforme a ocasião. A ponte é de uso exclusivo para automóveis e faz parte do complexo viário Real Parque. A nova transposição do rio prolonga o eixo criado pela Avenida Jornalista Roberto Marinho, interligando bairros residenciais de alto padrão (como Morumbi, recordista em lançamentos imobiliários de prédios de apartamentos, e seu vizinho, Cidade Jardim) a um dos principais polos empresariais da cidade e ao aeroporto de Congonhas. A prefeitura planeja ainda ligar a avenida à Rodovia dos Imigrantes por meio de um túnel de 4,5 km de extensão, com custo estimado em 1 bilhão de reais.
Na margem direita do rio, o empreendimento imobiliário Parque Cidade Jardim mescla funções residenciais, de consumo e negócios, em um terreno murado de 72 mil metros, ocupados por nove edifícios de apartamentos (que variam entre 235 e 2 mil metros quadrados de área privativa), um shopping center de luxo e três torres de escritório. Os apartamentos são vendidos por preços entre 1,6 e 10 milhões de reais, e o valor geral de venda é de 1,5 bilhões.3
Um lugar nobre em São Paulo, porque, além da concentração de áreas verdes, também tem a maior renda per capita do Brasil. O padrão de vida é semelhante aos mais altos do mundo. A Cidade Jardim realmente é muito especial, um lugar bonito, charmoso, perto de tudo de bom que a cidade oferece.
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