Obs: Os cinco titulares do Bando de Tangarás eram: Almirante, Braguinha, Henrique Brito, Alvinho e Noel Rosa, que contavam, em algumas ocasiões, com o auxílio luxuoso de Luperce Miranda, Lamartine Babo e outros bambas da época.
NO RÁDIO
- “O rádio começava a dominar. As meninas do bairro já não tinham como único e invariável assunto os galãs de cinema. Muitas já se esqueciam do Ramon Navarro, do John Gilbert e outros amantes da tela e falavam dos ‘ases’ do rádio. E não me foi difícil. Fiz minha estréia na Rádio Educadora, com o Bando de Tangarás.
Era, enfim, um ‘astro’ do microfone. As mocinhas bonitas e mesmo as feias, ouviam-me e, quando me encontravam, cravavam em mim um olho curioso.
Mais tarde, estive na Mayrink. E, por último, no Programa Cazé, onde me demorei por um largo período”.
EXCURSÃO E NOVAS MELODIAS
Foto tirada a bordo do navio “Itaquera”. Sentados da esq. p/ dir.: Peri Cunha, Mário Reis, Francisco Alves, Noel Rosa e Nonô.
- “Eu tinha de mim mesmo uma boa impressão. De qualquer modo tornar-me conhecido. Recebia convites para ir a festas. Acumulara, com o correr do tempo, um número apreciável de fãs. Não encontrava com um amigo, sem que este me consultasse sobre a minha última produção.
Um belo dia, recebo convite para uma excursão ao sul do Brasil. Deveria ir com Francisco Alves, Mário Reis, Nonô e Peri Cunha. Aceitei. Lá fomos nós, cantando, semeando melodias, e sempre aclamados.
No ano passado, estive, em excursões nas cidades de Vitória e Santos. A boa estrela da sorte acompanhava meus passos. Assim é que, em todas as regiões percorridas, agradei sempre.
Depois de ‘Festa no Céu’ e ‘Minha Viola’, iniciei uma fase de intensa atividade musical. Atividade, por assim dizer, ininterrupta. Era preciso desenvolver um trabalho que correspondesse à minha ânsia criadora. Mas o gênero para que me sentia inclinado era o samba. Só era, verdadeiramente feliz compondo samba e exprimindo-me através do samba. Basta dizer que, em 100 produções, só realizei três foxes, três canções e três emboladas. Tudo mais é samba”.
O MAIOR SUCESSO
-“Mas o meu maior e definitivo sucesso foi obtido com ‘Com que Roupa?’, samba que impressionou bastante, como se verifica pela sua difusão, a sensibilidade do povo.
‘Com que Roupa?’ tem uma história interessante que vale a pena contar aqui, a título de curiosidade. Foi um caso que se passou comigo mesmo.
Com sangue de boêmio, eu passei a chegar em casa, em determinada época, a altas horas da noite. Vinha de festas ou serenatas, ou de simples conversas. Mas o fato que essa vida passada toda em claro, devia prejudicar minha saúde. Foi o que aconteceu. Comecei a emagrecer. E a emagrecer assustadoramente. Adquiri umas olheiras dramáticas. ‘Que é isso Noel?, paixão incubada?’, perguntavam-me. Eu sorria. Mas quem mas se assustava era mamãe. Pressentiu, antes que ninguém, o meu estado. E, dia a dia, renovava as suas advertências, os seus apelos, para que não me demorasse na rua tanto tempo, para que dormisse mais, que eu acabava doente. Eu prometia que sim. Mas a minha vontade era nula. E chegava fatalmente, às mesmas horas com as mesmas olheiras e aquele emagrecimento progressivo, que estava alarmando todo mundo.
Desesperada de conseguir a minha obediência pelos recursos da persuasão, minha mãe lembrou-se de um antigo recurso, mas cujo efeito é sempre eficaz. Assim escondeu todas as minhas roupas. Sem exceção. Fiquei desesperado. O pior é que, na véspera, mandara que alguns amigos me viessem buscar para irmos a uma festa. Os amigos não faltaram. À noite, batiam lá em casa: ‘Como é Noel, vamos pra o baile?’. Mal eu tinha acabado de soltar a frase, quando me ocorreu a inspiração de fazer um samba com esse tema. Daí o estribilho:
Com que roupa eu vou
ao samba que você me convidou?
‘Com que Roupa’ (samba), de Noel Rosa, com o próprio e bando regional. PARLOPHOM (13.245A) – 30/setembro/1930.
Foi um barulho. Todo mundo cantou. É assim que eu faço as minhas coisas. Com situações, episódios, emoções, aspectos colhidos da vida real.
Houve uma fase na minha vida em que vi, abrirem-se os meus olhos, uma interrogação desconcertante. O samba bastaria para encher minha vida? Ou era preciso seguir uma carreira austera, fazendo melodias só nas horas vagas, como um simples e inconsequente recreio?
Eu me havia bacharelado pelo Mosteiro de S. Bento. Sabia alguma coisa. Entrei para a Faculdade de Medicina, no firme propósito de ser médico. Mas não tardou que me convencesse de que a Medicina era uma carreira absorvente. Estudos incessantes, profundos, que não poderiam ser, jamais abandonados, que exigiam todas as atenções.
Eu deveria continuar com o samba, deixando a Medicina? Ou deveria renunciar ao samba? Era uma alternativa dramática. Outra questão se apresentou aos meus olhos: qual era o destino mais coerente com a minha natureza, com as minhas aptidões natas? O de criador de ritmos ou o de médico? Colocado na contingência de optar, uma vez que as duas atividades não podiam ser conciliadas, escolhi o samba”.
CONTINUA...
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Fonte: Sambistas e Chorões: aspectos e figuras da música popular brasileira, de Lúcio Rangel. São Paulo: Francisco Alves, 1962. (Contrastes e Confrontos, 6).
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