RIO - O diretor de ópera André Heller-Lopes, um carioca de 38 anos que vem fazendo bela carreira internacional desde 2001, quando foi estagiar e trabalhar na Ópera de São Francisco, adiciona neste sábado, dia 6, mais uma importante realização ao seu currículo, como responsável por dois suicídios, um estupro, um assassinato a facadas e outro por fuzilamento na estreia de sua montagem de "Tosca", de Puccini, na sala Haus Für Mozart ("Casa Para Mozart") do Teatro Estatal de Salzburgo. Às 19h (de lá), quando a trágica história começar a se desenrolar no palco, o brasileiro terá feito seu début na cidade austríaca onde nasceu Wolfgang Amadeus Mozart, local onde se realiza anualmente, do fim de julho ao fim de agosto, um famoso festival de música clássica em que óperas têm papel de destaque e que atrai um público endinheirado para ver orquestras e solistas de primeiro time do mundo todo. A Haus Für Mozart, com seus 1.800 assentos, é um dos lugares que abriga eventos do festival. É o segundo mais importante palco da cidade.
Embora não faça parte do glamoroso glamouroso festival, a produção representa um marco para Heller, pelo enorme prestígio associado a Salzburgo, onde o nível de exigência artística é alto. Apesar disso, o diretor disse que esse trabalho foi mais tranquilo do que outros que havia realizado anteriormente.
A preparação foi ideal, ao longo de seis semanas de ensaios, sendo que, em quatro, as marcações cênicas já estavam todas feitas. Foi um período de muita paz e felicidade, que me fez refletir sobre minha maneira de ser. Ano passado foi curioso, pois fiquei hiperestressado com o fim do meu doutorado coincidindo com o início do
meu retorno ao Brasil e, acima de tudo, com diversos compromissos importantes. Para complicar, as três óperas que fiz no Brasil em 2009 foram concertos cênicos, em que as condições de trabalho para um encenador são, logicamente, muito tensas e mesmo frustrantes - contou Heller, referindo-se às óperas "Falstaff", de Verdi, e "O cavaleiro da rosa", de Strauss, nas quais trabalhou com a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (Osesp), e "O anão", de Zemlinsky, que o trouxe ao Rio em dezembro, a convite da Petrobras Sinfônica.
Segundo ele, a tensão acumulada ao longo de 2009 chegou a prejudicar seu rendimento num trabalho que estreou em janeiro deste ano em Lisboa: - Eu percebi que, apesar do sucesso enorme de, por exemplo, "O cavaleiro da rosa", em São Paulo, eu permanecia tenso, sem poder aproveitar essa grande experiência artística, e, o que é pior, carregava essa carga negativa para o próximo trabalho. Com isso, fiz, em Lisboa, uma comédia de Rossini que ficou pesada, de um humor mau humorado, num espetáculo que só se salvou pela segunda parte, uma ópera de Bernstein ("Trouble in Tahiti") que deu super certo. Agora, sinto como se tivesse saído de um banho de mar, e isso se reflete nesta "Tosca".
Heller, que já comandou a Coordenadoria de Ópera da prefeitura do Rio, está acostumado a trabalhar em importantes casas no exterior. Depois da experiência em São Francisco, onde participou de um programa de treinamento de 11 semanas para jovens promissores e foi assistente do diretor britânico John Copley numa montagem de "Così fan tutte", ele acompanhou, no ano seguinte, o mesmo Copley numa produção de"Il pirata", ópera de Bellini, no Metropolitan de Nova York. Ao fim daquele ano, as simpatias de réveillon parecem ter dado certo de novo, pois, com a chegada de 2003, veio a oportunidade de integrar o "Programa para Jovens Artistas" da prestigiosa Royal Opera House de Londres e colaborar na direção de várias produções operísticas lá. As passagens por diferentes lugares proporcionam uma comparação curiosa: - Em Portugal e no Brasil, somos mais emocionais, mais pessoais na maneira como encaramos cada etapa boa ou má do trabalho. Na Áustria, há uma distância maior com relação a tudo, que acaba resultando numa impressão de profissionalismo maior, o que me deixa super calmo. Acho que eles admiram o nosso lado criativo. Sinto-me mais à vontade aqui (em Salzburgo) do que, por exemplo, em Londres, onde a maravilhosa tradição teatral às vezes me faz ficar com receio de ousar.
No caso de Heller, a vontade de ousar, porém, nunca se sobrepõe ao respeito pela história, pela música e pelos personagens. Em terras germânicas, o oposto disso é bastante comum. Lá, existe uma corrente artística muito forte chamada Regietheater ("Teatro de diretor"), que se caracteriza por uma radical subversão das tradições ligadas à encenação de obras clássicas dos séculos passados. O próprio Heller conta já ter visto, por exemplo, um "Rigoletto" que se passava no "Planeta dos macacos", com os cantores fantasiados de símios. Ele é contra esse tipo de coisa.
- A minha concepção de "Tosca" é basicamente clássica, porém com temperos novos. Eu vejo a peça como uma tragédia humana, onde religião e poder traçam o destino das pessoas. É como um grande pesadelo onde, no início, tudo parece lindo e feliz e, ao final, todos os três protagonistas estão mortos. É uma descida no abismo, então, fiz o primeiro ato com a cor branca predominando, o segundo é em tons de prata e cinza, e o terceiro, em negro. Conhecer a ópera a fundo permite que eu tome liberdades, mas sempre dentro da lógica do personagem. A cena do estupro, eu levo mais adiante do que normalmente se faz. O prazer de Scarpia não é somente violar, mas fazer com que Tosca goste do sexo com ele. Eu me lembro sempre de um texto do Millôr Fernandes, "Os órfãos de Jânio", onde uma prisioneira política narra que foi violada e que, para seu supremo nojo, gozou. Por isso, Tosca dá não somente uma facada, mas cerca de oito em Scarpia. Será que isso é um toque brasileiro? É muito sangue, é muito latino. Mas o povo aqui ama isso - brincou Heller, que chegou a receber de um assistente local a absurda sugestão de impedir Tosca de pular para a morte no fim da história, o que daria um ar mais moderno à montagem.
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