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Meu amigo Tiago acaba de me fazer uma visita. Contei a ele sobre a discussão aqui no blog e sobre minhas posições a respeito. Ele discorda completamente de mim. Muito do que ele me disse já foi dito por muitos de vocês, mas em todo caso acho que vale a pena registrar a posição dele.
Ele acha, em primeiro lugar, que discutir o que fazer com a Educação sem duplicar a verba destinada a ela é inútil. Pode-se fazer o que se queira. Não dará certo. Partindo-se do pressuposto de que as verbas sejam dobradas, ele é a favor de uma política descentralizada, incentivando iniciativas locais com um mínimo de controle central. Segundo ele, as diferenças locais são determinantes, e qualquer receita única está fadada ao fracasso. A conversa infelizmente foi rápida - eu estava com a comida no fogo, e ele com a mulher esperando no carro. Não pude compreender muito bem como ele vê esse processo, mas tenho certeza de que ele teria coisas bastante específicas para falar. Tem os dois pés bem grudados no chão - comparado a ele, sou um romântico visionário. Vou tentar convencê-lo a entrar no debate.
Abraço a todos,
João
Oi, Anarquista...
Essa coisa de que todos nós falamos o tempo todo a partir de uma "ideologia" dá uma discussão interessante. Vou só dar umas pinceladas, porque hoje estarei metido num inferno burocrático envolvendo projetos, currículos, formulários e planilhas. Veja o que você acha.
A partir de que ideologia eu peço um copo de água?
João
Oi, Luzete.
Quando eu falei em "regra de três", apenas utilizei um artifício retórico para destacar que o conteúdo dos cursos de reciclagem tem que estar colado ao conteúdo ministrado em sala de aula. Não estou imaginando, é claro, que os professores terão que aprender a regra de três nesses cursos. Mas estou imaginando, sim, que esses cursos têm que ensinar a ensinar coisas bem determinadas. O curso que serve para um professor de matemática não serve para o professor de português. Há recobrimentos parciais? Há, mas, como a própria pergunta já diz, eles são parciais. A matéria bruta do curso de reciclagem para professores de matemática é a regra de três (ou a taboada do sete, ou a solução de equações quadráticas, etc.). É ISSO que ele tem que aprender a ensinar cada vez melhor. É sobre ISSO que se deve falar nos cursos. A matéria bruta para os cursos de reciclagem em português são as regras de acentuação (ou a regência nominal, ou algum ponto de análise sintática, etc.). Ninguém está propondo que o professor faça uma espécie de curso básico paralelo, para depois repetir o que aprendeu em classe. Isso seria uma estupidez. O que eu estou propondo é que os cursos sejam um espaço de reflexão sobre problemas específicos de aprendizagem, e não um espaço amorfo onde as generalidades ficam boiando, sem aderência à prática cotidiana. Que sejam "objetivos" neste sentido: que tenham um objetivo claro, definido. Que saibam onde querem chegar, e não fiquem atirando a esmo. Os professores estão ansiosos por isto, eu tenho certeza. Muito, mas muito mais eficiente do que uma aulinha genérica sobre não sei que "ismo" seria uma simples discussão em grupo em torno de um problema tão específico quanto esse - como ensinar a regra de três a uma criança.
Anarquista Lúcida, João Vergílio, e todos daqui, boa noite...
Acompanho com muito prazer este rico debate, sem, todavia intervir (pelo menos até agora), pois não tenho opinião totalmente formada quanto ao assunto.
Venho de um país onde o ensino é público em sua quase totalidade, onde não há aprovação automática, e sim repetência sem piedade! Quando prestei o “Baccalauréat” lá (exame de conclusão de Ensino Médio que serve de “Passaporte” para entrar no ensino superior), isto foi em 1980, somente 30% do alunos alcançavam este nível. Hoje, sei que 90% do alunos franceses alcançam o nível Baccalauréat (“Niveau Bac”).
Mas lendo o argumento da Anarquista Lúcida, fiquei um pouco desconcertada, pois o que aconteceu com o idioma francês com o advento da Revolução Francesa me parece ter sido exatamente o contrário.
Até então, atos públicos frequentemente ainda eram redigidos em latim e mais, falavam-se na França vários dialetos, patoás e idiomas ditos “baixos”, ou seja, vistos como pouco eruditos pela burguesia. A Revolução Francesa trouxe o conceito de “uma só idioma, uma nação”.
Assim, em 1793, a lei da Convenção Nacional decretou que professores primários deveriam, dentro de 10 dias a contar da publicação, em cada comuna da Bretanha ensinar a língua nacional da França, isto é, o francês para as crianças (de ambos os sexos) que falavam o “baixo-bretão”.
Idem para a região leste, a região sudeste, a região sudoeste onde entendiam que seus habitantes falavam um idioma estrangeiro.
Os burgueses falavam um francês extremamente erudito, e foi este francês que quiseram ensinar ao Povo.
Segue o texto da época que continua num francês totalmente atual, o mesmo francês inclusive que usava Molìère, bem antes da Revolução Francesa.
1793 An II (2 Thermidor). Loi de la Convention nationale, imposant l'emploi du français dans la rédaction de tout acte public.
La Convention nationale, après avoir entendu le rapport de son comité de salut public, décrète :
Art. I. Il sera établi dans dix jours, à compter du jour de la publication du présent décret, un instituteur de langue française dans chaque commune de campagne des départements du Morbihan, du Finistère, des Côtes-du-Nord et dans la partie de la Loire-Inférieure dont les habitants parlent l'idiome appelé bas-breton.
II. Il sera procédé à la même nomination d'un instituteur de la langue française dans chaque commune des campagnes des départements du Haut et Bas-Rhin, dans le département de la Corse, dans la partie du département de la Moselle, du département du Nord, du Mont-Terrible, des Alpes maritimes, et de la partie des Basses-Pyrénées dont les habitants parlent un idiome étranger.
III. Il ne pourra être choisi un instituteur parmi les ministres d'un culte quelconque, ni parmi ceux qui auront appartenu à des castes ci-devant privilégiées ; ils seront nommés par les représentants du peuple, sur l'indication faîte par les sociétés populaires.
IV. Les instituteurs seront tenus d'enseigner tous les jours la langue française et la Déclaration des Droits de l'Homme à tous les jeunes citoyens des deux sexes que les pères, mères et tuteurs seront tenus d'envoyer dans les écoles publiques ; les jours de décade ils donneront lecture au peuple et traduiront vocalement les lois de la république en préférant celles relatives à l'agriculture et aux droits des citoyens.
V. Les instituteurs recevront du trésor public un traitement de 1500 livres par an, payables à la fin de chaque mois, à la caisse du district, sur le certificat de résidence donné par les municipalités, d'assiduité et de zèle à leurs fonctions donné par l'agent national près chaque commune. Les sociétés populaires sont invitées à propager l'établissement des clubs pour la traduction vocale des décrets et des lois de la république, et à multiplier les moyens de faire connaître la langue française dans les campagnes les plus reculées.
Le comité de salut public est chargé de prendre à ce sujet toutes les mesures qu'il croira nécessaires. (Projet décrété)
Anarquista,
É claro que pensei no que você disse sobre a língua francesa, e também sobre o que você está dizendo agora. Você tem razão em muito do que diz. Não tem razão é no que faz, ou recomenda que se faça. Nenhum rico nasce falando a norma culta da língua. A maioria, aliás, morre sem saber. Os que a aprendem, aprendem nas escolas que freqüentaram. E não a aprendem para ter um distintivo de classe - muito embora a usem, depois, como tal. Aprendem porque, sem ela, as estantes das bibliotecas estão fechadas, e sem isso muitas outras portas se fecham até para ele, que é rico. Imagine para alguém que nasceu na favela. Uma criança que não aprendeu a norma culta não será capaz, por via de regra, de ler um editorial de jornal, boa poesia, bons romances. Não terá acesso a bons filmes, porque sua bagagem cultural é insuficiente para decodificar o que vê na tela. Não terá acesso a bons empregos, pois será barrada logo na entrevista inicial. Injusto? Talvez. Mas tem uma lógica que não se esgota no mero preconceito. Ninguém valoriza o português pelo português, assim como ninguém valoriza o francês pelo francês. O que se valoriza são as possibilidades que o domínio da língua nos abre.
Seja coerente, agora, Anarquista. Vá até o fim com o seu raciocínio. Matemática também é instrumento de dominação? Temos que evitar o ensino de algo que vá muito além das quatro operações, para respeitar as origens culturais do aluno? Se não, por que não? Qual é a grande diferença?
Uma coisa é reconhecer que a língua é um instrumento de dominação. Outra coisa é achar que a ignorância é uma arma eficiente contra ela, pela preservação de uma certa "autenticidade".
AnaLú,
Nem eu concordo com algo que você disse que eu concordo. Eu não acredito que “basta ter boas concepções de educação para saber transformá-las numa boa prática.” Assim como não acredito no seu contrário: não existe boa prática vazia de conteúdo. Embora seja este o padrão mais recorrente em nossas escolas, e de uma forma perversa: aulas esvaziadas de teoria oferecidas como sendo aulas práticas. Aulas leves, sem cobranças, fáceis, sem necessidade de estudar... papos informais, enfim. E depois, e paradoxalmente, se acusa a escola de ter sido teórica demais... de só ter ensinado teoria!
Mas é verdade que, e para usar o chavão, uma formação sólida é uma condição necessária, mas não suficiente, seja para formar o educador, seja para formar qualquer profissional. Agora, que uma sólida formação do educador já é um bom começo, ah, isto é... até para se definir os conteúdos que merecem ser aprendidos na escola e que funcionem como base do caminho que cada um pretende seguir. Pois escola não é mais do que isto: provisão de conhecimentos válidos que ensinem a caminhar.
Exagerei agora?
Outra coisa AnaLú,
Você fala que um curso de formação que incluísse todos esses autores levaria 10 anos... Não tanto. Ao citá-los (e o fiz aleatoriamente) passava longe a idéia de transformar cada um deles em núcleo de qualquer disciplina ou curso, mas como autores importantes (temos outros) que podem ser trabalhados nos cursos de formação de educadores. Dependendo do nível e do tempo, selecionando passagens, artigos, capítulos e, claro, apenas para tomar gosto do que é bom... Ser um especialista vai depender deles... Aliás, eu os mencionava sobretudo para o “educador do educador”.
E a realidade continua sendo muito dura, deste lado de cá:
Diálogo captado numa escola do Estado:
Prof.A - Agora, com o prêmio por bônus temos que de alguma forma fazer com que os alunos tenham êxito na prova.
Prof. B - Mas o que poderíamos fazer? Dar um prêmio para quem for bem na prova?
Prof. C - Sim, o estado não faz a mesma coisa com a gente? Vamos já, desde cedo, ensinando eles que terão bônus na vida, caso se esforcem.
Prof. D - O duro é como fazer com que eles aprendam, já que apenas uns 5 ou 6 (de uma sala de 45) apenas se interessam pela aula? Estamos "@#%&" mesmo, vamos ficar sem bônus! O Estado conseguiu uma forma de economizar dinheiro!
Prof. A - E se os alunos souberem que os professores ganharão mais se eles forem bem na prova, aí sim que eles vão errar tudo!!
Todos: (risos)
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