Quando eu era apenas um pequeno infante, aprendi na escola que o Dia Internacional da Mulher não existia exatamente porque as meninas da turma eram bonitas e eu gostava de me imaginar andando de mãos dadas com elas. A professora conseguiu, com algum esforço, explicar que, em vários lugares do mundo, há muito tempo, as mulheres vinham lutando por coisas. À época eu não entendi exatamente o que eram eram essas coisas, mas me dei bem com a ideia de que aquela data não existia apenas para que a turma desse preferência às meninas nos balanços do parquinho.
O meu desenho naquele dia acabou sendo a minha mãe, o grande referencial de “feminino” que eu, com pouca idade e muitos dentes de leite na boca, tinha até então. Levei vários anos para entender por que as únicas fotos dela no trabalho eram antigas, de antes de eu nascer. E demorei mais alguns outros para me perguntar, pela primeira vez, se tudo o que minha mãe queria da vida era fazer o almoço que eu tanto adorava, enquanto eu assistia ao programa matinal na televisão.
Meu pai foi quem me apresentou à pornografia. “Apenas coisas leves”, dizia ele. Leves ou não, eu jamais saberei o nome de nenhuma das mulheres que vi naquelas revistas. Por algum motivo, eu não pensava nelas da mesma forma que pensava nas minhas colegas de classe, nas professoras do colégio ou na minha mãe. Eu folheava um impresso, me satisfazia vendo aquelas fotos e guardava um punhado de garotas anônimas na gaveta de meias. E ninguém jamais me convidou a repensar isso.
Eu ainda hoje fico confuso ao tentar traçar uma linha entre me sentir atraído por uma mulher de uma forma sadia e transformá-la num mero objeto sexual. É provável que tal linha seja tão subjetiva que nem exista. Em todo caso, eu vejo um dedo do meu pai nisso. Mas não o culpo, individualmente. Não fosse através dele, eu certamente teria acesso às mesmas revistas que o pai de algum amigo compraria e eu tomaria emprestadas. Em algum ponto da vida eu acabaria deixando de querer o novo boneco do Batman e passaria a cobiçar a estante proibida da banca da esquina.
Tive na faculdade o meu primeiro contato com o feminismo. Eu o detestava. Nunca gostei que me dissessem o que fazer – ou o que não fazer – e achava uma petulância terrível algumas mulheres, que dividiam comigo o mesmo espaço acadêmico, pleitearem mais algum direito. De alguma forma eu acreditava que a igualdade que elas demandavam já existia. E eu poucas vezes estive tão errado sobre algo em toda a minha vida.
Com o tempo, eu acabei entendendo que o feminismo não quer mandar nos homens. Percebi também que as feministas não estão certas o tempo todo. E que uma feminista errada não invalida toda uma luta histórica por direitos que são absolutamente legítimos. A verdade é que eu jamais vou fazer a mais remota ideia de como exatamente é sofrer um ato machista, por mais que eu converse com as pessoas e ouça delas qual é a sensação. Eu provavelmente nunca vou poder acessar essa questão do ponto de vista de uma mulher.
Eu sou machista às vezes, talvez com mais frequência do que gostaria. Tenho um pouco de vergonha disso. Não sou necessariamente um ser humano ruim por ser machista, mas apenas enquanto eu não cruzar os braços diante do problema. Posso estar falando uma bobagem inacreditável agora, mas eu acho que é mais ou menos isso que o feminismo quer de mim: que eu deixe de ser machista. Não eu, como indivíduo. Mas a sociedade, como um todo.
Em vez de dar uma rosa ou uma caixa de bombons e fazer meia dúzia de elogios bestas e que provavelmente eu nem queria fazer, eu vou reservar o dia 8 de março para refletir sobre o meu machismo ".