Ler Guimarães Rosa é sempre uma aventura. Mas ler Grande sertão: veredas é aventura de permanente deslumbramento. A gente só sabe dela o começo. Do fim não se sabe porque ele não acontece nunca. Cada leitura uma descoberta. Um novo achado. Um novo espanto. Um encantamento. Ele, que um dia disse que as pessoas não morrem, ficam encantadas, nos permite dizer o mesmo para a sua obra.
Compartilho com vocês alguns momentos encantados, extraídos das cem primeiras páginas.
-Eu sou é eu mesmo. Divêrjo de todo mundo... Eu quase que nada não sei, mas desconfio de muita coisa.
-Hem? Hem? O que mais penso, texto e explico: todo-o-mundo é louco. O senhor, eu, nós, as pessoas todas. Por isso é que se carece principalmente de religião: para se desendoidecer, desdoidar... Eu cá, não perco ocasião de religião. Aproveito de todas. Bebo água de todo rio...
-Ricardão, mesmo, queria era ser rico em paz: para isso guerreava.
-Me fez um receio, mas só no bobo do corpo, não nos internos das coragens.
-O senhor sabe: sertão é onde manda quem é forte, com as astúcias. Deus mesmo, quando vier, que venha armado! E bala é um pedacinhozinho de metal...
-O senhor... Mire veja: o mais importante e bonito, do mundo é isto: que as pessoas não estão sempre iguais ainda não foram terminadas – mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafinam. Verdade maior. É o que a vida me ensinou. Isso que me alegra, montão. E, outra coisa: o diabo, é às brutas; mas Deus é traiçoeiro – dá gosto! A força dele, quando quer –moço! – me dá o medo pavor Deus vem vindo: ninguém não vê. Ele faz é na lei do mansinho – assim é o milagre. E Deus ataca bonito, se divertindo, se economiza.
-Mire veja: o que é ruim, dentro da gente, a gente perverte sempre por arredar mais de si. Para isso é que o muito se fala?
-Relembro Diadorim. Minha mulher que não me ouça. Moço: toda saudade é uma espécie de velhice.
-Viver é muito perigoso.
-Olhe: Deus come escondido, e o diabo sai por toda a parte lambendo o prato.
-Raciocinei isso com compadre meu Quelemém, e ele duvidou com a cabeça: –“Riobaldo, a colheita é comum, mas o capinar é sozinho...” – ciente me respondeu.
-Será acerto que os aleijões e feiezas estejam bem convenientemente repartidos, nos recantos dos lugares. Se não, se perdia qualquer coragem. O sertão está cheio desses. Só quando se jornadeia de jagunço, no teso das marchas, praxe de ir em movimento, não se nota tanto: O estatuto de misérias e enfermidades. Guerra diverte – o demo acha.
-Viver é um descuido prosseguido.
-Ah, o bom costume de jagunço. Assim que é vida assoprada, vivida por cima.
-O sertão é do tamanho do mundo.
E fica um gostinho de quero mais, é isto? Pois então!
"O senhor vá pondo o seu perceber". Vale para a senhora também.